A vice-prefeita de Nilópolis, na Baixada Fluminense, recebe salários de três prefeituras diferentes. Além da cidade onde ela exerce o cargo eletivo, Flávia Sardinha (PL-RJ) também recebe como professora em Nova Iguaçu e no Rio de Janeiro.
Em Nilópolis, Flávia Sardinha recebe o salário de R$ 12,5 mil. Ela também acumula o cargo de secretária de Educação. No caso, não tem acréscimo no salário.
Antes de ser eleita, Flávia Sardinha trabalhava como professora nos outros dois municípios. Ela se afastou para assumir o cargo. Mas seguiu recebendo pagamento.
Em nota, Flávia disse que solicitou licença dos cargos sem acumulação de proventos e que não recebeu orientação sobre ilicitude.
Em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, o salário bruto foi de pouco mais de R$ 4 mil no mês de julho.
No Rio de Janeiro, mais um cargo. Mês passado, ela recebeu R$ 5.340,57 como professora do município do Rio de Janeiro.
Somando os três salários, são mais de R$ 20 mil.
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) abriu um inquérito na Promotoria de Justiça do Município de Nilópolis.
O acúmulo de cargos no serviço público tem regras específicas. Especialistas em Direito ouvidos pelo RJ1 afirmam que, ao assumir um cargo como o de vice-prefeita, o servidor só pode receber um salário.
De acordo com o artigo 38 da Constituição Federal, o servidor público que investir no mandato de prefeito será afastado de seu cargo, emprego e função, sendo-lhe facultado optar por sua remuneração, ou seja, escolher um único salário para receber.
No entendimento do Supremo Tribunal Federal, a regra vale também para os vice-prefeitos, segundo uma decisão de 2018. A corte decidiu que o mandato de vice-prefeito, no caso, é incompatível com o exercício de vários cargos, empregos e funções públicas.
“O entendimento do Supremo Tribunal Federal e de muitos tribunais de contas vai no sentido de que o vice-prefeito sofre as mesmas vedações em termos de acúmulo funcional de cargos impostos aos prefeitos”, afirmou Gustavo Sampaio, professor da UFF e especialista em Direito Constitucional.
O especialista detalha a questão.
“Uma vez vice-prefeito, ele deve se licenciar dos cargos que ocupa fora do processo político, sendo facultado optar pela melhor remuneração. Todavia, não sendo permitida acumulação de remunerações distintas somadas àquela que recebe exercendo mandato de vice-prefeito de um município”, disse Sampaio.
A Prefeitura de Nilópolis afirmou que paga o salário de vice-prefeita para Flávia Sardinha.
A Prefeitura de Nova Iguaçu disse que, em 2021, Flávia solicitou licença e o pedido foi feito sem prejuízo de sua remuneração. O poder municipal afirmou ainda que vai apurar os fatos.
Já a Prefeitura do Rio de Janeiro informou que o afastamento não implicou na suspensão do pagamento, porque a servidora optou por continuar recebendo pelo cargo que ocupa no município. E que também abriu sindicância para verificar a acumulação dos pagamentos e tomar as medidas cabíveis.
“No caso específico de vice-prefeita do município com cargo, outros dois cargos de professora, na rede municipal de ensino de outros dois municípios seria uma acumulação ilícita. A Constituição já presume que quando você é eleito prefeito, necessariamente tem que se afastar dos outros cargos, isso não é só para prefeito. A Constituição também coloca para deputado federal, deputado estadual e senadores”, destacou Victor Accioly, especialista em administração pública.
O especialista afirmou que Flávia pode ter que devolver os salários que recebeu no Rio de Janeiro e em Nova Iguaçu durante o período em que acumulou os cargos com o de vice-prefeita.
“Uma vez constatado, cessem os pagamentos pelo recebimento do cargo professora que ela ocupa nos dois municípios. Ou que possa ter caracterizado ato de improbidade administrativa, ele pode recorrer à Justiça e ao Ministério Público. E os tribunais de contas, tanto do Rio quanto do estado, podem fazer uma tomada de contas especial para caracterizar eventual dano. É ilícita essa acumulação e se foi acumulação comprovadamente de má fé, a servidora vai devolver os salários desde o momento em que a acumulação se tornou ilícita”, disse Accioly.
A Prefeitura de Nilópolis afirmou que a vice-prefeita do município abriu um processo em 2020, nas prefeituras do Rio de Janeiro e Nova Iguaçu, pedindo licença para cumprir o mandato eletivo. E que as duas licenças foram concedidas dentro da legalidade, para que ela cumprisse o mandato.
Flávia Sardinha afirmou que abriu processo administrativo solicitando licença e, por isso, encontra-se afastada dos cargos citados na reportagem para exercer a posição de vice-prefeita, assim como a Secretaria Municipal de Educação de Nilópolis, sem a acumulação de proventos.
A vice-prefeita afirmou ainda que, em momento algum, recebeu orientação no decorrer dos processos sobre ilicitude e, diante dos apontamentos, buscará parecer jurídicos das prefeituras para tomar as medidas necessárias.
Por Alice Portes, Diego Haidar e Lucas Soares, RJ1